(...) Hoje são setenta e cinco dias da morte. E vinte e dois anos do casamento. Dela não guardo queixa. Tão econômica, do dinheiro usava só a metade. Por que não gastou tudo? Não deu, ela acudia. Não tive coragem. Essa roupinha sabe quem costurou? Existe dona igual?Candidata é que não falta. As filhas acham que devo. Viúva moça, solteira de prenda. Até com dentinho de ouro. Alguma que nem mereço. Tão enfeitada e viçosa.Se foi plano de Deus, bem sei, devo me conformar. De dia me distraio na oficina. Mas de noite? Pensando nela me bato a noite inteira. Minha cama, nela eu deitava. Colcha de pena de colibri, com ela me cobria. Doce cadeira de balanço, nela me embalava. Apagada a luz, erguia a camisola. Cego, de repente eu via - no lombinho tão branco duas luas fosforescendo.Saudade judia do corpo? Sinto a vista cansada, mal posso ler. Toda manhã faço a barba, ainda aparo o bigode. Ela morreu - e não raspei o bigode. Três dias que o olho está seco. Me esbofeteio com força ....
* valor de frete válido para todo o território nacional
** este vendedor oferece 5% de desconto no pix
*** também frete grátis a partir de R$ 500,00 em livros